Começamos 2025 com uma novidade: a proibição dos celulares no ambiente escolar. A decisão veio acompanhada de um amplo consenso parlamentar e, mesmo entre os educadores, me parece ter sido recebida sem muita crítica.
Em 12 de novembro de 2024, os parlamentares da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) aprovaram por unanimidade a Lei 18.058/2024, que proíbe a utilização de celulares e outros dispositivos eletrônicos nas escolas públicas e privadas do estado de São Paulo. Essa lei é uma ampliação da proibição já existente, que veda o uso de telefones celulares durante o horário das aulas desde 2007 (ver a Lei 12.730/2007).
Em 13 de janeiro de 2025, entrou em vigor a Lei Federal 15.100/2025, que proíbe “a utilização, por estudantes, de aparelhos eletrônicos portáteis pessoais, inclusive telefones celulares, nos estabelecimentos públicos e privados de ensino da educação básica”. A proibição em todo o território nacional abrange o uso “durante a aula, o recreio ou intervalos entre as aulas”.
No fim de seu Art. 1º, a lei federal apresenta ainda uma justificativa: “com o objetivo de salvaguardar a saúde mental, física e psíquica das crianças e adolescentes.” A saúde mental é apresentada como principal pretexto. Na matéria veiculada pelo Ministério da Educação (MEC), já aparece uma ampliação da justificativa, incluindo efeitos sobre aprendizagem e concentração.
“A legislação surge em resposta ao crescente debate sobre o uso desses aparelhos nas escolas, que gera grande preocupação a especialistas e à população em geral, devido aos impactos negativos no aprendizado, na concentração e na saúde mental dos jovens.” (MEC, 2025)
A imprensa mais comprometida com a proibição faz um certo malabarismo argumentativo para mostrar que a restrição do uso de celulares fora dos horários de aula traz benefícios sensíveis para a aprendizagem. Contudo, os argumentos são sustentados apenas em impressões gerais e demandam um voto de confiança de que os benefícios possam um dia existir. Sem muito sucesso, alguns artigos se arriscam a endereçar a gritante contradição entre a proibição de uma tecnologia no ambiente escolar e o discurso pedagógico que aponta a necessidade de modernização da escola, da conexão da escola com as questões sociais mais amplas e com a preparação do estudante para o mundo contemporâneo (UOL, G1).
Na matéria da BBC com o título “Proibir celular nas escolas não melhora notas nem bem-estar, segundo pesquisa”, discute-se uma pesquisa acadêmica publicada na Lancet, em que não é encontrada nenhuma associação entre as proibições nas escolas e a melhora do desempenho escolar ou do bem-estar mental dos estudantes. A matéria também esclarece que a questão não é o mero uso de celulares ou telas, mas sim o acesso às redes sociais.
Algo que pareceria um recuo em relação à política de proibição — já que não mostra o efeito pedagógico esperado — surpreende. O artigo acadêmico pondera que a proibição dos celulares na escola é uma medida isolada e não é suficiente para que os benefícios sejam perceptíveis. A recomendação é tratar da questão considerando o uso dentro e fora da escola, ou seja, é preciso ampliar a proibição para além da escola. Seguindo o lema: Não funciona, mas temos que ampliar!
“Descobrimos que essas proibições, de forma isolada, não são suficientes para lidar com os impactos negativos”, diz a pesquisadora. “Precisamos fazer mais do que apenas proibir telefones nas escolas”, sugere ela. (BBC, 2025)
O artigo acadêmico conclui com:
[…] não há evidências de que essas políticas restritivas, em suas formas atuais, tenham um efeito benéfico na saúde mental e no bem-estar dos adolescentes, ou em resultados relacionados. Isso indica que os objetivos dessas políticas — melhorar a saúde, o bem-estar e o engajamento educacional dos adolescentes — não estão sendo alcançados. Nossos dados sugerem que intervenções para reduzir o tempo gasto em celulares e redes sociais com o intuito de promover o bem-estar mental dos adolescentes são plausíveis, mas que o uso dentro e fora da escola deve ser considerado em conjunto. […] Essa abordagem não exclui necessariamente políticas escolares restritivas quanto ao uso de celulares, mas as insere em uma estratégia mais ampla e holística para lidar com o uso de celulares e redes sociais por adolescentes.[…]
A urgência e unanimidade na aprovação dessas leis, que atingem um número grande de estudantes, levanta suspeitas. Será que há uma preocupação súbita dos parlamentares em relação à saúde mental e à baixa aprendizagem dos estudantes? Vivendo no Brasil e conhecendo o parlamento que temos, é muito difícil acreditar que essa seja a razão. Se não for a razão declarada, o que está em jogo nessa ampliação das proibições? A preocupação me parece estar longe de ser médica ou pedagógica; é, sobretudo, uma questão política. A proibição dos celulares nas escolas não visa apenas afastar os estudantes dos aparelhos e das telas — a questão está em manter a juventude o mais longe possível das redes sociais. Uma diferença sutil, mas importante.
Há um crescente esforço para associar as redes sociais à radicalização da juventude e um igual empenho no controle da circulação de informação na internet e na censura nas redes sociais — algo que geralmente é apresentado como uma regulação das grandes empresas de tecnologia. O principal receio é a cooptação da juventude pela extrema direita, que tem uma atuação intensa na internet e nas redes sociais.
Em diversos países, como é o caso da União Europeia e do Reino Unido, em que os regimes políticos estão em crise, aparece uma polarização política cada vez mais aguda. É justamente nesses países que as proibições e restrições à participação dos jovens nas redes sociais avançam a passos largos. Em grande medida influenciada por essa propaganda, grande parte da esquerda brasileira apoia a proibição na esperança de manter a juventude desmobilizada e longe dos apelos da extrema direita.
A justificativa pedagógica e de proteção das nossas crianças é criada para comover. Ela apela ao instinto de sobrevivência de inúmeros professores, que são colocados em situações dramáticas, sem tempo e sem recursos, e que devem manter a atenção e educar centenas de estudantes todos os dias. Nessa situação, não é de se admirar que os professores abracem qualquer coisa que lhes pareça uma boia salva-vidas — mesmo que seja uma âncora. A justificativa apresentada não passa de um distrator, uma armadilha ideológica que visa encobrir aquilo que realmente está em jogo. Por fim, a armadilha ideológica faz com que aqueles que ontem se colocavam como destruidores dos muros escolares, hoje se encontrem eles mesmos pedreiros.